FHC confrontado em programa da BBC
BBC - Em uma entrevista recente o senhor mencionou uma falta de entusiasmo geral que existiria atualmente no Brasil. O senhor disse que existe um sentimento de desânimo em seu país. Por que o sr. acha que o Brasil está desanimado?
Fernando Henrique Cardoso - Eu diria que basicamente isso se deve à falta de confiança na vida política que existe hoje em dia no Brasil. Não que isso seja centrado em alguém especificamente, em algum personagem, ou no presidente. Não é isso. Mas no Congresso, na maneira em que os políticos tratam os problemas nacionais. E também por causa da corrupção que existe em meio à liderança política.
BBC - Mas vamos analisar o cenário mais amplo. Apesar da economia brasileira estar crescendo menos do que a da China e da Índia - o país ainda apresenta uma taxa de crescimento entre 3% e 4% - a redução da pobreza tem sido feita numa escala impressionante. Eu não consigo entender por que, apesar desse quadro econômico mais amplo, o país passa por uma crise de identidade como o sr. falou.
FHC - Eu não diria que existe uma crise de identidade....acho que é mais um sentimento de malaise...se me permite usar uma expressão em francês....como se nós não estivéssemos nos sentindo bem. Quer dizer, me refiro à classe média, àquelas pessoas que lêem jornais ou que tentam seguir o que acontece no Congresso. Porque a percepção do cidadão comum é de que, como você disse antes, a economia vai bem. É verdade que não vai tão bem como em outros países ou mesmo como foi bem em outros tempos no Brasil, mas de todo modo um crescimento de 4% ao ano não é ruim. E também é verdade que está havendo uma redução do nível de pobreza. Portanto, nesse sentido o cidadão comum acha que seu padrão de vida está melhorando.
BBC - O motivo pelo qual usei o termo crise de identidade para caracterizar o seu argumento foi porque o senhor disse que existe uma falta de coesão na vida do Brasil como nação, que não existem no país idéias ou projetos unificados. Famílias, partidos politicos, religião, educação, estariam todos se fragmentando.
FHC - Bom, é um pouco exagerado dizer que existe uma fragmentação total. Na verdade, em outros momentos da história do Brasil existiu um sentimento de que o país estava progredindo. Agora, estamos progredindo de fato, mas não existe essa sensação, essa percepção.
BBC - Exato, no momento, o país progride como nunca foi visto antes e ainda assim o sr. não parece satisfeito, parece ter menos certeza sobre a situação do Brasil.
FHC - Mas esse é exatamente o ponto mais importante. Nós temos repetido sempre, durante as últimas décadas, desde a redemocratização, que o país precisa de educação, saúde... Temos o problema da reforma agrária, o problema da pobreza, da miséria, e isso é dito e repetido todos os dias, de tal modo que os brasileiros se convenceram de que existe uma situação desesperadora no país, o que nao é verdade. Estamos progredindo. O que falta é apenas um novo consenso. Isso depende basicamente da liderança. Eu diria que não quero criticar o meu presidente, pelo contrário, pois acho que Lula tem uma importância simbólica para o Brasil. Ele veio da classe trabalhadora e agora é presidente. Isso poderia ser um sinal importante. Portanto, por que não? Então por isso é que digo que tudo se deve a essa falta de confiança na classe política, como se rotula, incorretamente, no Brasil, aqueles que têm controle do sistema político. Estes é que não contam com a confiança da população.
BBC - Vamos falar sobre o presidente Lula um pouco depois... Mas o que eu sinto ao conversar com o sr. é um verdadeiro sentimento de frustração pelo fato de o senhor ter sido presidente por dois mandatos e não ter sido capaz de mudar a cultura política do país.
FHC - Você está certo quando se refere à cultura política.
BBC - E por quê?
FHC - Eu creio que consegui mudar o país.
BBC - Não tenho tanta certeza assim. O sr. realmente acredita que conseguiu?
FHC - Em relação à economia, sem dúvida que sim.
BBC - É verdade, mas indo além da economia? Eu percebo um sentimento de frustração... Como o sr. mesmo disse, "meu governo tornou a educação universal, mas para quê? Agora o ensino nas escolas é um desastre."
FHC - Não, não...
BBC - Isso foi o que sr. disse.
FHC - Foi o que eu disse, mas porque nosso problema era dar à população acesso às escolas. Mas agora o problema é qualidade. E isto é diferente, você percebe? Temos que melhorar a qualidade do ensino, o que talvez seja mais difícil do que simplesmente garantir o acesso à educação. Não sou pessimista em relação ao Brasil, talvez esta entrevista tenha um tom pessimista, mas não é assim que me sinto.
BBC - O sr. era um homem visto como um tecnocrata, talvez até visto por alguns como um neoliberal em termos econômicos. Com certeza o sr. acelerou o ritmo das privatizações, mas apesar de todas as suas reformas econômicas estruturais o sr. não conseguiu solucionar o problema dos dois Brasis. Isto é, de um lado a classe média e a classe alta, esta muito bem sucedida, representada por uma minoria muito pequena e do outro lado o enorme número, de milhões e milhões de brasileiros que vivem na pobreza. E o sr. não conseguiu, com todas as suas reformas, atacar o problema da pobreza.
FHC - Desculpe-me, mas você está errado. Eu dei início...na verdade não fui eu, até mesmo antes...nós demos início aos programas de transformação no Brasil, e os resultados estão surgindo agora. Eu posso lhe dar os últimos resultados. Os últimos resultados são referentes à redução da pobreza. A diminuição da pobreza no Brasil tem sido impressionante. Desde 1995 até agora, a linha da pobreza, que era de 40%, caiu para cerca de 28%.
BBC - Mas sr. Cardoso, desculpe a interrupção, mas muitos brasileiros diriam que de fato a redução da pobreza no Brasil se deu de forma mais bem sucedida e muito mais acelerada depois que o sr. deixou o governo e a partir da posse do presidente Lula.
FHC - É verdade, mas por quê?
BBC - A percepção é de que Lula destinou muito mais recursos a programas de combate à pobreza, como o famoso Bolsa Família, que tem tirado milhões de pessoas da miséria absoluta.
FHC - Mas o primeiro passo foi estabilizar a economia. Com isso a linha da pobreza caiu de 40% para 30%. Este foi o Plano Real. Em seguida...
BBC - O sr. se refere à estabilização da moeda que combateu de fato a inflação?
FHC - Correto...
BBC - O que é claro, muita gente atribui ao presidente Lula...
FHC - Pode ser o que as pessoas acham, mas não quer dizer que seja verdade. A estabilização ocorreu em 1995, até antes disso, quando eu era ministro da Fazenda. Foi quando a inflação foi derrubada, e desde então tem se mantido em níveis baixos. Lula apresentou um programa diferente, ao qual não me oponho. Sou a favor. E desde então ele tem se beneficiado de uma situação econômica mais favorável e pôde dar mais dinheiro para essa gente, e portanto tem aumentado, eu concordo com você, mas fui eu que comecei. A mudança da situação do Brasil começou com o programa de estabilização econômica durante o governo do presidente Itamar Franco, e posteriormente diversos outros programas iniciados pelo meu governo e então é natural que o país esteja bem melhor agora.
BBC - Analisando o que aconteceu no seu governo e no governo do presidente Lula, o sr. agora diria ter aprendido que há limites para a aplicação da economia de mercado num país como o Brasil e que pode se aplicar neoliberalismo e programas de privatização apenas de modo limitado?
FHC - Para início de conversa eu nunca fui um neoliberal. Sou a favor da economia de mercado, mas também sou a favor de uma ação ativa do governo, do Estado. Eu decidi não privatizar algumas empresas estatais e optei pela privatização de outras. Um exemplo é o setor das telecomunicações. O que aconteceu com as telecomunicações? Tínhamos 800 mil telefones celulares no Brasil agora temos 120 milhões e todos têm acesso. Se você olhar para as empresas de energia e mineração verá que o que fiz foi transformar as empresas estatais em corporações. Em conseqüência, atualmente a Petrobras é uma empresa importantíssima. O Banco do Brasil também tem um desempenho muito bom. Portanto, isso não é suficiente para formar uma nação, é preciso muito mais do que isso. Você pode ver que eu nunca fui um neoliberal.
BBC - Voltando a um de seus pontos iniciais...apesar de todo o progresso a que o sr. está se referindo, o Brasil tem um problema fundamental com a corrupção na sua cultura política e cívica.
FHC - Por esta razão é que me referi ao sentimento de que não estava indo tão bem, era a sensação da classe média, que tem acesso à informação, de que a corrupção existe.
BBC - E o sr. disse que o presidente Lula tem sido muito leniente com o problema da corrupção dentro do próprio partido dele. Sabemos que 40 membros do PT estão sendo julgados, acusados de terem participado de um esquema de compra de votos que teria existido há alguns anos. O sr. acredita que o presidente Lula é pessoalmente responsável por isso?
FHC - Eu creio que ele é responsável por não ter sido mais forte. Lula poderia ter sido mais categórico, dizendo: "Isto é errado!" Recentemente, ao se referir a um de seus ex-ministros que foi condenado....não condenado....mas, indiciado pela Procuradoria da República, ele disse não acreditar que o ministro tenha tido um envolvimento real no caso.
BBC - Então o sr. acha que o presidente deve demonstrar uma liderança clara na questão da corrupção?
FHC - Creio que sim.
BBC - Nesse caso, o sr. demonstrou essa liderança clara? O sr. ocupou a presidência por dois mandatos...que tipo de liderança o sr. demonstrou?
FHC - Bom, não existe nenhum caso no meu governo de alguém que tenha sido indiciado ou algo parecido que tenha sido protegido por mim.
BBC - Isso nos leva à essência da minha questão, se me permite, pois pelo que sei o sr. nomeou para o cargo de procurador-geral o senhor Geraldo Brindeiro, que permaneceu no cargo durante anos e, segundo a imprensa brasileira, recebeu mais de 600 processos criminais contra funcionários do governo, tendo arquivado a grande maioria, o que acabou lhe valendo o apelido de "Engavetador Geral". E o sr. está tentando me dizer que isso siginifica que não houve nada de errado enquanto esteve no poder, ou que ele simplesmente resolveu "sentar" sobre as alegações?
FHC - Deixe-me dizer a você com bastante clareza. No Brasil, o procurador é totalmente independente do poder Executivo. Absolutamente independente.
BBC - Mas ele foi nomeado pelo sr.
FHC - Sim, mas ele era totalmente independente. Ele fez seu próprio julgamento. Naquela época, vários procuradores eram fortemente influenciados pelos partidos políticos e em conseqüência eles tentavam levantar acusações contra esta ou aquela pessoa. E eu nunca interferi no processo. Nunca, em nenhum daqueles casos.
BBC - Mas o que parece é que ao mesmo tempo em que o sr. me diz que Lula tem de ser forte, deve demonstrar liderança, o sr. está me dizendo que durante os oito anos de seu governo nenhum deputado, senador, nenhum membro do governo foi indiciado porque a política era inteiramente limpa?
FHC - Você pode me dar o nome de alguém que tenha sido considerado culpado? Ninguém foi acusado.
BBC - Mas o fato de ninguém ter sido acusado formalmente talvez sugira que...
FHC - Nunca ninguém foi nem acusado pela imprensa, nenhum dos meus ministros. E caso alguém tivesse sido acusado minha reação seria simplesmente demiti-lo. Isso é o que estou lhe dizendo.
BBC - OK, vamos deixar de lado o aspecto pessoal e passar para o quadro mais amplo. Claramente o sr. acredita que fracassou ao tentar mudar a cultura política do país quando esteve no poder, até porque o sr. mesmo já disse isso. Agora, refletindo sobre isso e vendo o que Lula está enfrentando, o que o sr. acha que um líder no Brasil deve fazer, no futuro, para mudar realmente esta cultura política, que o sr. mesmo admite ser um problema?
FHC - Eu também sou um sociólogo. Quando você diz que cabe a um líder mudar a cultura política, tenho a dizer que um líder pode dar um exemplo, pode impôr, mas isso é um processo muito mais amplo e não fica restrito a apenas um homem. Não estou acusando Lula por isso, o que estou fazendo é culpá-lo num caso específico em que ele poderia ter dito "não", ter dado um exemplo à nação. Para mudar o processo politico é uma longa história. É necessário mudar algumas regras, tem algumas implicações legais e é também preciso mudar a cultura. O que fiz foi tentar não deixar que o sistema partidário interferisse demais no governo e dar um nível maior de profissionalismo ao meu governo.
BBC - Vamos falar sobre um cenário mais amplo... O presidente Lula participou deste programa não faz muito tempo e ele falou em termos bem ambiciosos sobre o papel a ser desempenhado pelo Brasil na América Latina e na liderança dos países em desenvolvimento, especialmente dos países do G20 envolvidos nas negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio. O senhor apóia a atuação do presidente Lula em tentar colocar o Brasil numa posição de destaque no cenário internacional?
FHC - Com toda certeza. Principalmente em relação ao G20. Claro que apóio.
BBC - Pois gostaria então de fazer-lhe a seguinte pergunta...Também como parte de seus esforços de assegurar a posição de liderança do Brasil na América Latina, Lula tem tentado cultivar uma relação muito amigável com o presidente da Venezuela Hugo Chávez, que como sabemos, representa uma diferente corrente de pensamento na América Latina, principalmente no modo com que conduz a relação com os Estados Unidos, e também com uma filosofia política e econômica mais à esquerda. O seu partido tem criticado Lula por manter uma relação amistosa com Chávez...
FHC - Vamos separar as questões. Em primeiro lugar, eu apóio o Lula na tentativa de mostrar ao mundo que o Brasil deve desempenhar um papel importante. Não há dúvida. Claro, sou brasileiro. Mas em relação à influência de Chávez na América Latina, queria dizer que ele já era presidente durante meu governo e Brasil e Venezuela mantiveram uma boa relação. Antes de Chávez, Caldeira foi o primeiro líder venezuelano a decidir voltar sua atenção para o sul, para o Brasil, e julgamos que isso era algo de grande importância para a região. Desenvolvemos então a relaçãoo entre Brasil e Venezuela.
BBC - Gostaria de trazer-lhe de volta ao presente. Atualmente, o senhor acha que o presidente Chávez representa um perigo?
FHC - Eu chego lá. Uma coisa é reconhecermos a importância da Venezuela e saber que temos que manter uma boa relação.
BBC - O senhor vê o presidente Chávez como um perigo?
FHC - Outra coisa é o presidente Chávez. Ele não é de esquerda, ele é anti. Chávez é anti-Estados Unidos e antiglobalização. O Brasil não pode aderir a esse tipo de atitude. Eu diria que Lula seria mais cauteloso em não aderir porque ele tem conexões políticas com pessoas que apóiam Hugo Chávez. Eu não as tenho.
BBC - Mais especificamente, o seu partido bloqueou a entrada da Venezuela no Mercosul e um importante membro do seu partido disse que Chávez está caminhando a passos gigantescos na direção de um regime ditatorial.
FHC - Meu partido está bloqueando a integração da Venezuela ao Mercosul por conta das cláusulas democráticas. Estamos pedindo maior transparência. Queremos saber se o país é confiável em termos de democracia. Este é a questão. Não nos opomos por conta da integração econômica, por conta das cláusulas econômicas. O que meu partido está perguntando ao presidente Chávez é se a democracia na Venezuela é sustentável. Ao assinar o tratado como membro do Mercosul o país tem que se obrigar a manter regras democráticas rigorosas. E eu penso que isto é correto. Você me perguntou se Chávez representa um perigo, eu nunca achei isso. Não o vejo como um perigo. Ele tem uma forma de atuar diferente da minha, a sua forma é baseada numa avaliação negativa da globalização. Ele tenta preencher a lacuna que existe entre os líderes de esquerda da região, um papel que Lula não pode desempenhar. E eu não concordo com o presidente Chávez nestas questões.
BBC - O senhor sabe que por toda a América Latina há nas ruas muita gente que vê apenas duas escolhas: ou se concorda com a filosofia do presidente Chávez ou se segue os Estados Unidos. E o senhor é visto como um político que sempre acompanhou os Estados Unidos. O senhor manteve uma relação amigável com George Bush...
FHC - Não, não, Clinton.
BBC - OK, com Bill Clinton, mas o senhor também se reuniu e manteve uma relação amigável com George Bush.
FHC - Veja, não podemos colocar uma questão política dessa maneira, de um modo tão simples: Sim ou Não.
BBC - Eu não estou dizendo que se trata de uma visão mais sofisticada, eu me refiro à visão do mundo que é compartilhada por muita gente comum na América Latina e eles olham para o seu retrospecto e sua atuação agora e vêem que o senhor visita os Estados Unidos com freqüência, que tem muita ligação com o país.
FHC - Mas eu não estou negando...
BBC - Eu fico me perguntando se o senhor realmente melhor representa os interesses da América Latina.
FHC - Eu acredito que melhor represento os interesses do Brasil. O objetivo do Brasil é estar integrado mundialmente e ser respeitado, desempenhar um papel muito independente e não estar alinhado aos Estados Unidos.
BBC - Mas, por um lado o senhor mantém uma relação amistosa com George Bush, quando se encontram cumprimenta-se com tapinhas nas costas, e falando reservadamente o senhor manifesta suas grandes dúvidas em relação a ele.
FHC - Não reservadamente, publicamente.
BBC - Publicamente?
FHC - Claro, eu sou um crítico do governo Bush.
BBC - Então o senhor falou para o presidente George Bush que estava horrorizado com as idéias dele? Pois foi isso que o senhor escreveu posteriormente, que estava pessoalmente horrorizado.
FHC - Sim, por causa do Iraque, da guerra no Iraque. Acredito que isso é um grande erro e também por causa do meio ambiente. Nunca concordei com as idéias do presidente Bush.
BBC - O senhor acredita que o presidente Bush tem prejudicado a posição dos Estados Unidos na América Latina?
FHC - Sem a menor dúvida. E nos Estados Unidos também. E em todo o mundo. Portanto, esta não é minha posição. Sou contra este tipo de posição. Eu acho que atualmente o mundo se encontra numa situação dificílima. É necessário reorganizar o pacto mundial. É impossível continuar se levando adiante a idéia de que se pode unificar, homogeneizar o mundo em torno de uma idéia de democracia, da maneira em que a democracia é institucionalizada nos Estados Unidos. Por esta razão é que sou altamente crítico em relação à guerra no Iraque.
BBC - Gostaria de pegar um dos pontos levantados pelo senhor. O senhor citou a guerra no Iraque e citou também o meio ambiente. O Brasil tomou a decisão estratégica de cultivar em larga escala lavouras para a produção de biodiesel, principalmente cana-de-açúcar. Atualmente, milhões de hectares de terras no Brasil estão sendo destinadas ao plantio dessas lavouras, essencialmente para gerar combustivel a ser exportado para os Estados Unidos. Esta decisão preocupa enormemente os ambientalistas. Na sua opinão está se decidindo pela opção errada no Brasil?
FHC - Bom, primeiramente não estamos exportando para os Estados Unidos. Zero! É para consumo brasileiro não para os Estados Unidos.
BBC - Pode ser que não estejam exportando atualmente, mas segundo a ONU o Brasil poderá vir a dedicar 120 milhões de hectares com o intuito de alimentar este crescente mercado consumidor dos Estados Unidos.
FHC - Você tem uma idéia da percentagem de terra utilizada para a produção de etanol no Brasil?
BBC - Sei que é uma percentagem bem pequena.
FHC - É nada!
BBC -Por enquanto é uma percentagem muito pequena.
FHC - FHC: Você tem uma idéia de quantos milhões de hectares cultiváveis o Brasil possui? Eu vou lhe dar uma idéia. São 400 milhões.
BBC - OK, mas se 100 milhões forem...meu ponto é o seguinte....à medida em que se tem que aumentar a produção de etanol terá que se deslocar lavouras de alimentos para áreas que atualmente são ocupadas por florestas.
FHC - Mas sua hipótese é equivocada. Você não precisa deslocar outras lavouras. Nós temos terra. Eu sei que temos de ter um equilíbrio. Tenho grandes preocupações com o meio ambiente. Jamais vou concordar com políticas que transformem lavouras apenas na produção de cana-de-açúcar. Acho muito importante termos diversificação, uma variedade de lavouras, incluindo alimentos. A idéia de termos plantação de cana-de-açúcar no lugar da produção de alimentos é uma idéia vaga, defendida por Hugo Chávez, mas não é uma idéia baseada em dados.
BBC - Uma última pergunta para o senhor. Desde o início desta entrevista o senhor me deu a impressão de ser um homem frustrado por não ter conseguido fazer mais para mudar o Brasil.
FHC - Nesse sentido, sim.
BBC - O senhor acredita que é possível mudar o Brasil?
FHC - Claro. Não penso se é possível ou não. O Brasil vem mudando ao longo do tempo e tem se tornado um país importante. Quando eu nasci, em 1931, provavelmente deveria haver no mínimo 60% de brasileiros que sabiam ler ou escrever. Atualmente, todos os jovens freqüentam as escolas. Na época em que nasci, o Brasil tinha 80% de sua população concentrada em áreas rurais. Agora, é um país diferente. Portanto, sim! Estou muito otimista neste sentido. E acho que é possível acreditar que o Brasil tem um grande futuro, desde que a classe dominante tenha maior sensibilidade para combater a corrupção e se preocupar mais com a situação interna.
BBC -Fernando Henrique Cardoso, muito obrigado por ter participado do Hard Talk.
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